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CULPA E RESPONSABILIDADE
A imprensa está fazendo um carnaval com a morte da pequena Isabella. Algumas vezes, me envergonho. Outras, me convenço de que não é só um dado da realidade, mas também um mal necessário. Um choque, uma necessidade de reflexão coletiva.
Por que a vergonha? Porque fica a sensação de que Isabella continua sendo asfixiada, maltratada, humilhada e finalmente jogada do sexto andar todos os dias, de manhã, de tarde, de noite, de madrugada? Uma vítima sem fim. E tão indefesa. É como se aquelas câmeras e microfones invadissem a sua alma, roubando um pouco da dor da nossa menina para distribuir e animar a torcida.
E por que, apesar disso, a impressão de que há algo de positivo nessa voracidade da mídia? Porque os relatos do calvário de Isabella, sempre acompanhados de fotos tão enternecedoras, servem como um alerta geral. Um alerta para que todos nós tenhamos mais paciência, mais compreensão e, sobretudo, mais cuidado com os nossos pequeninos e não aconteçam tantas Isabellas por aí. Quantas vezes a própria Isabella já tinha sido vilipendiada? E quantas milhares de crianças são maltratadas todo santo dia, sem que nem ao menos o pai, a mãe ou ambos fiquem sabendo? (Quando não são eles mesmos os algozes...)
Criança, toda criança, uma vez ou outra pode ser irritante, mesmo aquela que você mais ama no mundo. Fica cansada, com fome, doentinha, com calor, com frio... É preciso paciência.
Aquela mãe/madrasta/professora/babá que vive mal-humorada, raiando à agressividade doentia, põe-se de alerta ao se confrontar com a história de Isabella. Aquele pai/padrasto/professor que deixa para lá quando a companheira maltrata seu filho, porque não quer se aborrecer, não quer ter problema, fica mais esperto. Aqueles pais que liberam seus filhos para dormir em casa alheia - mesmo que de ex-cônjuges -, sem investigar direito onde estão metendo as crianças, começam a se preocupar.
E é preciso saber com quem estamos deixando as crianças. Na nossa (atenção ao plural e, portanto, à meia culpa...) correria, em múltiplas funções de pais, profissionais, estudantes, viajantes, malhadores, leitores, dedicamos muito pouco tempo às nossas crianças. Mas o pior não é a falta de tempo, é de cuidado. Se nos faltam tempo e cuidado, os nossos seres mais queridos e mais desprotegidos podem estar sendo, literalmente, entregues às feras.
Há que se resistir, porém, a uma vaga onda que perpassa as conversas na academia, no barzinho, no elevador, contra padrastos e madrastas, como se todo o mal estivesse aí. Já há até registros informais de psicólogas e professoras, por exemplo, de aumento de procura e de temores em relação a eles.
Cuidado para que nossas mágoas íntimas não nos induzam a generalizações, porque há madrastas e madrastas, como há pais e pais; padrastos e padrastos, assim como mães e mães. Até porque, no caso de Isabella, seu pai era o principal responsável por ela naquele momento. Tinha todas as obrigações do mundo, como se já não bastassem as do amor, de protegê-la. Se há culpa no casal, o principal culpado é ele.
Seria irreal pedir menos ímpeto da imprensa e o fim da monumental curiosidade mórbida da sociedade - que, aliás, andam sempre juntos. Então, o mínimo que se pode esperar é que vasculhar toda a história e seus resultados seja para o bem, não para o mal.
O "caso Isabella" é um drama familiar. Mas bate fundo nos medos e nos dragões que devoram o equilíbrio individual e instigam reações coletivas.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.
Folha de São Paulo – 12/05/2008
QUESTÃO 01 (Descritor: depreender de uma afirmação explícita outra afirmação implícita.)
Assunto: Procedimento de leitura / a dimensão semântico-formal dos textos.
De acordo com o texto, a mídia
a) é a única responsável por divulgar a realidade, ainda que ela seja desastrosa.
b) demonstra desrespeito à individualidade de dramas familiares, tornando-os banais.
c) escolhe o que vai noticiar, dando foco apenas ao que interessa à população.
d) traz à tona realidades capazes de gerar reflexões nos telespectadores.
QUESTÃO 02 (Descritor: reconhecer uso de linguagem figurada na construção de um texto.)
Assunto: Procedimento de leitura / linguagem figurada / a dimensão semântico-formal dos textos.
Há, no texto, vários trechos que exploram a linguagem figurada como recurso. Assinale a alternativa que NÃO exemplifica o uso desse tipo de linguagem.
a) “A imprensa está fazendo um carnaval com a morte da pequena Isabella. Algumas vezes, me envergonho.
b) “Outras, me convenço de que não é só um dado da realidade, mas também um mal necessário. Um choque, uma necessidade de reflexão coletiva.”
c) “E por que, apesar disso, a impressão de que há algo de positivo nessa voracidade da mídia? Porque os relatos do calvário de Isabella, sempre acompanhados de fotos tão enternecedoras, servem como um alerta geral.”
d) “Um alerta para que todos nós tenhamos mais paciência, mais compreensão e, sobretudo, mais cuidado com as nossas crianças (...).”
QUESTÃO 03 (Descritor: reconhecer e analisar recursos expressivos empregados na construção de um texto.)
Assunto: Procedimento de leitura / a dimensão semântico-formal dos textos.
Em todas as alternativas apresentou-se um recurso empregado pela autora na construção do texto, EXCETO em
a) Diálogo com o leitor visando aproximar o texto à produção do receptor.
b) Incorporação da autora no texto por meio da primeira pessoa do plural.
c) Uso de tom formal na produção do texto em conformidade com a seriedade do tema.
d) Tom de alerta para com o leitor do texto a fim de orientar determinadas posturas.
QUESTÃO 04 (Descritor: depreender intencionalidade de um texto a partir do gênero e/ou função social.)
Assunto: Procedimento de leitura / a dimensão semântico-formal dos textos.
O autor explora o tema de uma forma predominantemente
a) irônica.
b) crítica.
c) pessimista.
d) imparcial.
Gabarito dos exercícios
QUESTÃO 01 | D |
QUESTÃO 02 | D |
QUESTÃO 03 | C |
QUESTÃO 04 | B |
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